Meu último artigo, sobre o lamentável mundo da dança cigana no Brasil, gerou todo tipo de repercussão. Algumas foram respostas raivosas, por parte principalmente de quem faz exatamente o tipo de coisa que é dita no texto. Essas reações já eram de se esperar, afinal, o que acontece quando a gente tenta tirar uma carcaça de um rio cheio de piranhas, não é mesmo?
Outras reações, no entanto, me pareceram vir de pessoas que ficaram confusas. Essas pessoas estavam se perguntando como poderiam estar erradas as coisas que aprenderam, se tudo aquilo havia feito tanta diferença nas vidas delas. Algumas chegaram mesmo a mencionar uma mudança de vida positiva, referindo-se, muito claramente, a algum tipo de experiência de natureza mística ou espiritual.
Isso me fez perceber que eu precisava explicar alguns pontos, no que diz respeito à cultura cigana e espiritualidade.
Muito já foi dito aqui no site (ou no livro, para os que o leram) sobre ciganos e espiritualidade, mas, ao menos no Brasil, esta parece ser uma temática de necessidade recorrente. Vejam bem, jamais foi a minha intenção atacar ou condenar determinada expressão religiosa. Eu nunca seria aquela pessoa, com o dedo em riste, dizendo que suas experiências são falsas, ou que você está enganado a respeito do que viveu.
Para mim, inclusive como rhom, religião é uma questão de foro íntimo. O sentimento espiritual é algo importante, que faz parte da psique de todos os indivíduos, e diz respeito apenas a eles mesmos. Assim, eu jamais colocaria em descrédito uma experiência que alguém diz ter mudado a vida dela para melhor.
O que está em questão aqui, sempre, é representatividade cultural. E quando o assunto é “ciganos”, representatividade cultural é sempre um problema, porque as pessoas tendem a misturar e confundir as coisas.
Eu não vou questionar as entidades espirituais em que você acredita. Também não vou questionar o bem que elas te fizeram. Mas eu vou questionar, sempre, quando alguém, vivo ou morto, entidade ou não, disser alguma coisa falsa sobre a cultura romani. Vou também apelar para a inteligência e o senso crítico das pessoas – mesmo quando inexistente – sempre que possível.
Eu vejo uma necessidade, que para mim é inexplicável, das pessoas buscarem um respaldo cultural que não existe, quando o assunto é as entidades ciganas. Ora, as pessoas frequentam terreiros de Umbanda há mais de um século; são médiuns de caboclos, espíritos indígenas que, com certeza, fizeram e fazem muito bem para as vidas delas; por que eu não vejo essas pessoas tentando descobrir de que tribo indígena eram esses espíritos quando estavam vivos? Por que eu não vejo essas pessoas buscando, algumas vezes desesperadamente, informações culturais sobre os índios para respaldar o culto que fazem aos caboclos? Por que a gente não vê “festas indígenas” acontecendo pelos clubes das cidades, e professoras dando aulas de danças indígenas (que, convenhamos, eram para ser muito mais acessíveis do que as danças ciganas aqui no Brasil)?
Com certeza, um médium do Caboclo Sete Flechas, por exemplo, não ficaria triste caso descobrisse que os índios tupinambás, de cuja tribo seu caboclo disse ter vindo, não usam cocares de penas de galinha pintadas, como o que ele usa em suas giras no terreiro. Ele sabe que uma coisa é diferente da outra, e eu gostaria, muito, que os médiuns de entidades ciganas aprendessem isso também.
O fato de você ter se beneficiado da energia de uma entidade não mudará porque a suposta cultura de origem daquela entidade não conhece tais práticas, das quais você se beneficiou. Mas é importante ter em mente o seguinte, o fato de que aquela cultura não conhece tais práticas também não mudará porque você se beneficiou delas.
A mesma coisa vale para as danças. Eu não posso desmerecer isso que vendem como “dança cigana” enquanto arte, enquanto dança, enquanto forma de expressão. Também não posso dizer que a prática dessas danças não traz nenhum benefício, não faz nenhum bem. Qualquer atividade física, desde que corretamente orientada, traz muitos benefícios para a saúde, e com certeza a dança já foi usada também para fins terapêuticos e espirituais.
O que eu posso fazer, e efetivamente faço, é apontar quando aquilo não é cigano, não veio da cultura romani, ao contrário do que está sendo vendido. Porque para mim importa realmente divulgar a cultura do meu povo. Não o produto que o mercado quer vender, porque acha (algumas vezes com razão) que é o que você quer comprar, mas a cultura do meu povo como ela realmente é; com todo o seu jogo, para mim maravilhoso, de luz e sombras.
E digo mais, sempre que eu apontar alguma dessas coisas, não acreditem em mim. Não acreditem em ninguém. Suspeitem, desconfiem, questionem, essa é a raiz de todo verdadeiro aprendizado. Arrisquem, saiam das referências comuns, aprofundem-se, estudem, pesquisem, investiguem, esforcem-se, e, então, tirem as suas próprias conclusões. Todos têm a ganhar com isso, exceto, é claro, aqueles que vivem de se aproveitar das ignorâncias alheias.
Espero que tenha ficado claro desta vez.
Um excelente carnaval a todos!
Excelente artigo e bastante elucidativo.
Muitos segmentos religiosos espiritualistas que utilizam a acoplagem com espíritos de inúmeras escolas astrais não percebem que o que mais importa é o trabalho da caridade.
Assim, médiuns passam na frente das entidades, provocando todo o tipo de fantasias apoteóticas quanto às ‘suas’ entidades…
O importante deveria ser a função do trabalho. As características da entidade pertence somente à mesma. Ela poderá conduzir algumas necessidades dos médiuns dentro de uma linha respeitosa diante da escola astral a que pertence. Exatamente como o autor do texto menciona, uma entidade ou médium que diz determinada informação errada sobre sua ‘origem’ pode ser questionada, sim.
Espíritos que pertencem às Escolas Astrais do Caboclos (e muitas vezes nunca foram indígenas…rsrsrs…) utilizam palavras sábias para aconselhamento, fazem uso de manipulação de elementos terrenos sem qualquer extravagância.
Assim ocorre com todas as outras escolas, como Pretos Velhos (muitos nunca viveram numa senzala ou foram negros, em suas existências), Guardiões, Ciganos, e outros cultuados na Umbanda.
Sendo de fórum íntimo, conforme diz sabiamente o autor do texto, os Ciganos na Umbanda serão espíritos que irão utilizar as ações do médium para algo maior – a caridade, sem necessidade de utilizar palavras originárias das etnias a que pertenceram, (Salvo alguns casos necessários na questão da fé), tal qual os Caboclos, que nos terreiros de Umbanda não falam Tupi-Guarani ou qualquer outra língua de sua linhagem originária…rsrsrsrs…
Há casos de espíritos que pertenceram à cultura hebraica, muçulmana, inca, maia etc, terem se pronunciado em tais idiomas e terem trazidos alguns conhecimentos de suas etnias, mas isso somente em caso de extrema necessidade, com finalidades específicas…
Bom, de qualquer forma, estou adorando a página e descobrindo coisas inimagináveis.
Obrigado, amigo Mikka Capella, por tanto talento.
D-us(es) permaneça(m) em teu olhar sempre!
Beijão de luz!!!
Que comentário perfeito! Palmas pra você, meu querido! Me encheu de alegria!