Eis um dos temas mais polêmicos em se tratando dos rhomá, senão o mais polêmico de todos, em se tratando do Brasil – a religião ou religiosidade romani.
É sabido que a sociedade romani é uma das comunidades mais tradicionais e fechadas que existem. Há mesmo, entre os rhomá, a concepção do segredo como estratégia de sobrevivência, de maneira que a maior parte realmente acredita que as coisas da comunidade são para ficar dentro da comunidade. Em certa medida, é lógico que estão certos. Esse hábito dificulta infiltrações indesejáveis, favorece o reconhecimento mútuo e fomenta uma atmosfera de cumplicidade que é essencial para o modo de vida rhom.
No entanto, todo esse segredo também desperta a curiosidade e o interesse daqueles externos à comunidade, os gadjé ou não-ciganos, e acaba funcionando como estímulo para a imaginação fértil e romântica de algumas pessoas.
Em um país miscigenado e multicultural como o Brasil, onde se experimenta o alvorecer de experiências religiosas muito diferentes, as particularidades do modo de vida rhom vêm despertando um interesse especial. São muitos, e cada vez mais, os que se interessam por saber em que creem os “ciganos”, o que cultuam, quais suas práticas religiosas… E na cauda desse cometa – que já dura desde a exibição da novela Explode Coração, de 1995 a 1996, pela Rede Globo de Televisão –, vêm pegando carona muitos oportunistas, não-ciganos e ciganos, desejosos de aumentar os próprios rendimentos financeiros.
Em nenhum outro país do mundo tanto se falou, produziu e inventou acerca do misticismo dos rhomá, e essa realidade um tanto incômoda vem acarretando uma série de prejuízos para a própria comunidade.
Em primeiro lugar, o desconhecimento e o preconceito que este tipo de coisa suscita – em alguns casos agrava – têm levado um número cada vez maior de pessoas a acreditar que os rhomá, ou melhor, os ciganos são uma espécie de religião. O resultado não poderia ser mais desastroso. Quando um número tão grande de pessoas começa a pensar que ser cigano é pertencer a uma religião, a luta por cidadania, respeito e direitos civis de uma minoria invisível e marginalizada acaba prejudicada. Afinal, por que um grupo religioso específico, em um país com tantos cultos e religiões diferentes, haveria de querer e reivindicar direitos especiais? Este é o tamanho do nosso problema.
Com base em tudo isso, acabei me convencendo de que a realidade hoje se inverteu – o segredo não é mais uma estratégia eficiente de sobrevivência para os rhomá. Pelo contrário, precisamos nos dar a conhecer. Quanto mais as pessoas souberem a nosso respeito, quanto mais formos capazes de sensibilizá-las, mais perto estaremos de conquistar a tão sonhada visibilidade social, a cidadania que sempre nos foi negada. O projeto Romani Dromá – Caminhos Ciganos nasceu exatamente dessa tomada de consciência.