Eis um assunto espinhoso e deveras complicado dentro dos estudos sobre a história do povo rhom. Espinhoso e complicado por uma razão bem simples – a maior parte do que se diz não passa de conjectura e, por isso mesmo, é alvo de múltiplas contestações. Os consensos são bem poucos e mesmo eles não estão amparados por nenhuma prova definitiva, de maneira que os embates parecem estar longe do fim.
Contribui para isso o fato de serem os rhomá um povo de tradição oral.
O romani é uma língua originalmente ágrafa. Os esforços para se estabelecer uma gramática existem, mas são consideravelmente recentes e vêm esbarrando em uma série de dificuldades (uma delas, certamente, é a grande variedade de dialetos). Consequência lógica – não existem documentos rhomá que possam ajudar a rastrear seus passos na História. É preciso vasculhar exaustivamente os registros de povos e governos não-ciganos por onde passaram em busca dos resquícios de uma trajetória muito difícil de contar. Se somarmos a isso o fato de que os primeiros rhomá a pisarem na Europa Central dissimularam suas verdadeiras histórias e procedências, formaremos uma imagem mais ou menos fiel do tamanho do problema.
Os próprios rhomá, de contrapartida, não parecem se importar com nada disso. As lendas sobre a origem mítica do povo rhom continuam sendo transmitidas por tradição oral, de uma geração à outra, de maneira que, entre nós, exceto aqueles poucos – como eu – mais interessados nos estudos acadêmicos, a maior parte satisfaz-se com as estórias antigas, mesmo sabendo que se tratam apenas de lendas.
Academicamente, muitas foram – e algumas continuam sendo – as hipóteses que pretendiam explicar a origem dos rhomá.
Muitos rhomá, ao chegar à Europa Central, diziam vir do Egito, embora não soubessem indicar com precisão onde ficava essa terra. Alguns sugerem que se tratava, na verdade, de uma localidade situada no Peloponeso (região da Grécia por onde os rhomá efetivamente passaram) chamada “Pequeno Egito”. É a essa controvérsia que se deve a origem dos exônimos gitanos, gitans, e gypsies, que derivam todos do termo “egipciano”.
Entre os próprios rhomá, há uma lenda muito difundida sobre a sua origem. Ela conta que em um passado muito remoto, todos viviam debaixo da terra, até que um terremoto poderoso abriu uma fenda no chão e eles puderam conhecer a superfície. Isso teria acontecido no Egito, pois, segundo a lenda, os rhomá foram quase que instantaneamente escravizados. O romani teria sido, dessa forma, criado pelos antepassados para que pudessem se comunicar sem que os algozes egípcios fossem capazes de entender. Essa lenda ilustra, a um só tempo, a crença na origem egípcia e o uso do romani como instrumento aglutinador e de defesa, o que justifica perfeitamente a proibição de ensiná-lo aos gadjé (não-ciganos).
Além do Egito, houve pesquisadores defendendo que os rhomá tinham vindo de outras regiões no norte da África, como a Tunísia. Para alguns, o lugar de origem havia sido alguma região do Oriente Médio, como a Tartária, Silícia, Mesopotâmia, Armênia ou o Cáucaso. Outros defendiam que os rhomá poderiam ter migrado de regiões distantes da própria Europa, como a Hungria, Turquia, Grécia, Alemanha, Bohemia ou a própria Espanha. Para esses, os rhomá poderiam ser uma mistura de mouros e judeus.
Numa perspectiva bíblica – e obviamente religiosa – não faltaram aqueles para quem tratavam-se os rhomá dos descendentes de Caim (que foi condenado a vagar errante pela terra. Gênesis 4:11-14). Em um viés mais ou menos parecido, o pesquisador argentino Sándor Avraham, que é rhom, sustenta que a evidência linguística é insuficiente para respaldar a hipótese da origem indiana. Com base em observações acerca de outros aspectos culturais, ele traça um paralelo entre os rhomá e o povo hebreu, conjecturando que os rhomá poderiam ser, na verdade, hebreus que se desgarraram durante o Êxodo.
O problema com a teoria de Avraham é que ela toma o Êxodo por um fato. Com tudo o que sabemos hoje, graças ao avanço das ciências ligadas à Arqueologia, temos como certo que o Êxodo é uma bonita passagem da tradição mítica hebraica, mas jamais aconteceu de verdade.
Dito isso, as similitudes entre hebreus e rhomá não significam necessariamente que os segundos tenham vindo dos primeiros. Outra explicação plausível é que elas tenham, na verdade, uma origem comum, pela qual tenham passado ambos os povos. Ora, a influência persa na cultura hebraica do pós-Exílio Babilônico é um fato comprovado. Da mesma forma, não resta qualquer dúvida que a Pérsia foi o primeiro destino da diáspora dos rhomá, e o povo persa, independente das circunstâncias, foi o primeiro com quem travaram um contato prolongado. A influência persa na cultura romani é também um fato que não pode ser negado.