No primeiro Congresso Mundial Romani, realizado em Orpington, na Inglaterra, em 1971, uma bandeira foi adotada como símbolo da etnia rhomá. A escolhida foi a bandeira verde e azul da Asociatia Generala a Tiganilor din Romania (Associação Geral dos Ciganos da Romênia), fundada em 1933, acrescida de uma roda vermelha de dezesseis aros – uma homenagem à Índia, que, já se sabia naquela época, era a pátria original dos rhomá.
O azul representa o céu. O verde representa a terra. Já a roda vermelha é uma clara referência à roda de 24 aros que figura na bandeira indiana – o Ashoka Chakra. Como na bandeira da Índia, essa roda simboliza o movimento imprescindível à vida. Estagnação é morte. A ideia desse movimento constante se alia ao formato da roda, que lembra a roda de uma carroça, para aludir ao nomadismo dos rhomá em seus vurdá (carroções). A cor vermelha, por sua vez, é, tradicionalmente, um símbolo de vida e boa sorte.
A bandeira do povo rhom, tal como a conhecemos, não é uma unanimidade entre os rhomá. Ela não é reconhecida por alguns grupos rhomá da Europa Oriental, por exemplo, que, inclusive, têm proposto bandeiras diferentes para se diferenciarem enquanto grupos étnicos.
Como fica claro, então, uma bandeira é o símbolo de uma identidade compartilhada por determinado grupo de indivíduos. A bandeira do Brasil é o símbolo da identidade do povo brasileiro, seu país, sua soberania e tudo o que ela representa. A mesma coisa se dá com a bandeira romani.
Ela foi escolhida e adotada no contexto do primeiro Congresso Mundial Romani, num momento de fortalecimento étnico, num esforço de construção – e afirmação – de identidade. Nos parece, pois, incoerente, e até desrespeitoso que essa bandeira seja usada fora de seu propósito original, principalmente como um tipo de apetrecho religioso em cultos completamente estranhos ao universo cultural romani. Cultos estes que, talvez valha a pena dizer, têm por objeto espíritos de pessoas que teriam vivido muito tempo antes dessa bandeira existir e estão, por este motivo, alheios ao seu significado.
Temos visto, com bastante desagrado, uma fetichização contemporânea da bandeira romani no Brasil, bem como de outros símbolos nossos, tomados num processo de verdadeira antropofagia – ou apropriação – cultural. O objetivo, aparentemente, é dar corpo a um cenário deveras poético, daquilo que a imaginação não-cigana, bombardeada por estereótipos muito antigos, pensa ser o universo romani.
Gostaríamos, então, de propor esta reflexão, uma reflexão baseada, principalmente, no respeito necessário à convivência entre os povos. E nos causa estranheza – e tristeza – quando este respeito não parece importar, principalmente para aqueles que dizem amar entidades que supostamente são nossas ancestrais. Como pode haver amor sem respeito?
Pense bem, você que está lendo isto, como se sentiria ao ver sua bandeira sendo usada para algo que não tem a ver com você, com seu país, com seu povo ou com sua identidade?