Calon

calé

Calon, ou calé, é a maneira como são conhecidos e se autodenominam os rhomá da península ibérica, a saber, Espanha e Portugal, embora também se possa encontrá-los no sul da França (sobretudo na Camargue), no norte da África (especialmente no Marrocos) e, mais modernamente, nas Américas.

A palavra “calon” deriva do romani caló, que significa “negro” e foi adotada certamente por causa do tom de pele escuro, mourisco, dos rhomá quando de sua chegada naquela região. A cor escura da pele também é a provável razão para a identificação fervorosa dos calé com o culto de Sara Kali (Sara, a negra) e de todas as Virgens Negras, um culto europeu antigo e misterioso com raízes pré-cristãs. Apesar disso, a miscigenação é um fato inegável, e hoje podemos encontrar rhomá com tons de pele, olhos e cabelos bem claros, não apenas entre os calé, mas em todos os grupos e subgrupos romani.

Um caso que se tornou bastante conhecido – e polêmico – na mídia é o da menina Maria, mais conhecida como “Anjo Cigano”. Ela foi encontrada pelas autoridades gregas vivendo em uma comunidade rhomá. Muito se especulou a respeito dela ter sido roubada de seus pais verdadeiros, o que irritou profundamente a comunidade rhomá no mundo inteiro. Mais tarde constatou-se, graças à exames de DNA, que Maria era realmente romie (cigana), e o caso dela acabou servindo para expor ao mundo o terrível preconceito e o racismo de que, lamentavelmente, ainda são vítimas os rhomá.

maria
A menina Maria, em imagem que se tornou mundialmente conhecida.

Maria, como é possível se supor, não pertence ao grupo Calon. Mas existem, na Espanha moderna, muitos calé loiros, de olhos verdes e pele clara. Principalmente na Andaluzia, onde a população romani é mais numerosa, está mais bem integrada socialmente e os casamentos interraciais são mais frequentes.

Os calé falam o caló, uma variedade de romani, ou pararomani, que resulta da mescla de uma série de línguas peninsulares, como o castelhano, catalão, galego e português, com alguma influência árabe e o léxico romani. Como acontece com outros dialetos para-romani, a exemplo do sinti-manush, o caló também não se apresenta com uma forma única, variando de acordo com o país ou região em que é falado. Em Portugal, por exemplo, onde suas influências principais são o galego e o português, o nome dado ao dialeto é calão. Já no Brasil, onde se mesclam às influências anteriormente citadas vários empréstimos de línguas indígenas locais, a língua dos calon se chama chibi, do romani tschib, que quer dizer, literalmente, “língua”.

calons
Uma família de calé brasileiros.

Os calé foram seguramente os primeiros rhomá a pisar no Brasil, num tempo em que o país ainda não tinha esse nome e sequer chegava a ser de fato um país, era colônia de Portugal. Em 1574, cumprindo pena por tráfico ilegal, o calon João de Torres, juntamente com sua esposa Angelina e os filhos, foi degredado para a Terra de Santa Cruz. Eles se tornaram, oficialmente, os primeiros rhomá em terras brasileiras. Extraoficialmente, porém, há quem acredite que pode ter havido outros antes disso, a começar pelas próprias caravelas de Cabral. Certamente há indícios que sustentam esta hipótese, embora nenhuma evidência corrobore a certeza.

Controvérsias a parte, o fato é que o trânsito de calé para as colônias portuguesas continuou acontecendo durante todo o período colonial, e é um dado histórico que muitos deles fizeram fortuna, notadamente com o tráfico e o comércio de escravos africanos. Hoje, os calé são a população rhomá mais numerosa e significativa do Brasil.

Na Europa, de contrapartida, a história é um pouco diferente. Se houve entre os calé aqueles que lograssem conquistar fortuna e prestígio social, suas histórias não são muito conhecidas. E, enquanto temos um registro do provável primeiro calon a aportar em nossas terras, a chegada dos rhomá na península ibérica é mais uma daquelas controvérsias para as quais os especialistas dificilmente chegarão em um acordo.

Alguns acreditam que os calé se originaram do mesmo movimento migratório que os sinti, vindos da Grécia rumo ao oeste. Para outros, é mais provável que eles tenham vindo do norte da África, cruzando o Estreito de Gibraltar. Neste caso, seriam os descendentes dos rhomá que não entraram na Europa pelo Bósforo, mas desceram a Jordânia até o Egito, de onde se espalharam pelo norte do continente africano. Isso explicaria, por exemplo, porque os calon não apresentam, em seu caló, nenhuma influência balcânica, como acontece com o sinti-manush, mas muitas influências árabes. Por outro lado, estas influências árabes podem ser apenas uma herança dos tempos de domínio mouro na península ibérica.

Como ocorre com os sinti, os calé também não se dividem em clãs determinados pela profissão, mas subdivisões existem por regiões de procedência, dentro e fora de Espanha e Portugal. Num primeiro momento, talvez não faça muito sentido chamar essas subdivisões de nacionalidades, já que muitas delas existem dentro de um mesmo território nacional. Mas é preciso observar que a noção de nacionalidade que temos hoje não estava tão bem definida nos primeiros séculos em que os rhomá se estabeleceram na Europa. Muitos países estavam divididos em diversos pequenos reinos, como era o caso da Espanha, e só vieram a se unificar em algum momento do século XX. Assim, acredito que o termo nacionalidade (nátsija, em romani) ainda pode ser usado com alguma efetividade, mesmo no caso dos calé.